Sobre a Exposição....
Minha primeira preocupação ao continuar essa pesquisa e produção foi o medo de me apropriar de uma cultura que não é minha. É verdade que todos nós temos um pedaço dos povos originários nas nossas raízes, mas me inquieta a distância entre essa ancestralidade e eu. O quanto isso se conecta com a minha história? Percebi que não está tão longe assim.
Infelizmente, no caso da minha família, é mais uma daquelas histórias de uma mulher indígena que “foi pega no laço”.
A maior parte dos traços genéticos da nossa ancestralidade africana e indígena no Brasil vem das mulheres, já que elas foram subjugadas, enquanto muitos homens foram eliminados.
Me reconhecendo como parte desses MIL POVOS, fui atrás de entender melhor essa conexão e percebi o quanto eu não sabia. Fiquei meio perdida diante de tantas possibilidades e tentei ao máximo não copiar o grafismo de uma etnia específica. Minha esperança é que, nas minhas pinturas e peças, as pessoas vejam a “ideia” da arte indígena.
Comecei a pesquisar sobre as diferentes pinturas corporais, seus significados, funções e rituais. A diversidade é enorme: tem grafismos funcionais e não funcionais, que falam de mitos, que representam posições ou que são só para embelezar. O legal é que todos eles refletem uma relação milenar entre os seres humanos e a terra, expressando visões de mundo muito profundas.
Um aspecto que achei super interessante e que mostra a importância desses grafismos para seus povos é o mito da Mulher Estrela. Nesse mito, a heroína cultural que originou as plantas cultivadas se transforma de estrela em ser humano através da pintura e ornamentação corporais. E assim, o recém-nascido, logo após a queda do cordão umbilical, é pintado de jenipapo, reconhecendo seu status de pessoa humana. A pintura corporal, então, tem uma função social e mágico-religiosa, além de ser uma forma estética e correta de se apresentar. A decoração é feita para o corpo, que só existe por causa dela.
Na busca por diferenças nas pinturas corporais, cheguei à questão dos CLÃS. Por exemplo, tem os que se pintam com TRAÇOS (WAHIRÊ) e os que usam CÍRCULOS (DOÍ). Nos povos Xerente, essas referências são essenciais para identificar suas metades patrilineares tradicionais. É interessante notar que os casamentos só acontecem entre pessoas diferentes, representando uma estrutura social expressa nas pinturas corporais, que funcionam como um cartão de identidade.
Tem pinturas que tratam de rituais religiosos, afastando espíritos ruins ou chamando os bons. Outras declaram status (solteira ou casada), marcam rituais de passagem – como meninos que se tornam homens ou meninas que podem se casar – e algumas são usadas só para festas. E ainda tem as que são apenas belas, que servem como enfeites. Uma curiosidade é que as pinturas corporais são feitas em sua maioria por mulheres e passam de geração para geração, com meninas já pintando suas bonecas.
Bom, aqui fica um pedacinho muito pequeno desse mundo diverso, e espero que o meu trabalho possa despertar nas pessoas um pouco de curiosidade. A riqueza de nossos povos originários está em sua cultura, em sua resistência.
JANNA REGHINI